Todos os dias são dias
em que a Terra é celebrada
por ser mãe e ser raiz
da nossa vida apressada.
Quem não ama esta Terra
que pertence a todos nós,
pode perder a razão,
não ter quem lhe ouça a voz,
porque a Terra incomodada
com o mal que lhe fazem
tem direito a estar zangada,
mandando a chuva e o tornado
contra quem a humilha
e faz dela uma ilha
no meio do universo,
vertendo a dor e queixa
na triste beleza de um verso.
José Jorge Letria
Podes vender-me o ar que passa entre os teus dedos,
te golpeia o rosto e desalinha os cabelos?
Acaso podes vender-me cinco moedas de vento?
Ou talvez uma tormenta?
Vender-me-ias ar puro – não todo –
o que percorre o teu jardim de flor em flor
e sustém o voo dos pássaros?
Dez moedas de ar puro, podes vender-me?
O ar dança por entre as asas da borboleta.
Ninguém o possui.
NINGUÉM!
Podes vender-me o céu?
Céu por vezes azul, por vezes cinza,
uma parte do teu céu, o que compraste, pensas tu,
com as árvores do teu sítio, como quem compra o teto com a casa?
Podes vender-me um dólar de céu?
Dois quilómetros de céu, um pedaço,
o que puderes, do “teu” céu?
O céu está entre as nuvens.
Altas passam as nuvens.
Ninguém o possui.
NINGUÉM!
Podes vender-me chuva?
A água que forma as tuas lágrimas e molha a tua língua?
Podes vender-me um dólar de água da fonte?
Uma nuvem crespa, vender-me-ias?
Ou, quem sabe, água chovida das montanhas?
Ou água dos charcos, abandonada aos cães?
Ou uma légua de mar, talvez um lago?
A água cai e corre. A água corre. Passa.
Ninguém a possui.
NINGUÉM!
Podes vender-me terra?
A profunda noite das raízes, dentes de dinossauros,
a cauda esparsa de longínquos esqueletos?
Podes vender-me selvas já sepultadas, aves mortas,
peixes de pedra, enxofre dos vulcões?
Milhões e milhões de anos em espiral crescendo?
Podes vender-me terra?
Podes vender-me?
Podes?
A tua terra é terra minha, todos os pés se apoiam nela.
Ninguém a possui.
NINGUÉM!
Nicolás Guillén