sábado, 9 de janeiro de 2021

O menino que cresceu no jardim



Era  nisso que o menino  acreditava: se as flores crescem assim, por que razão não crescerei eu, também, com a ajuda da água? E o jardineiro lá lhe fazia a vontade: regava-o, com delicadeza, como regava as suas mais belas plantas.


          Devido a esta mistura com o jardim ou talvez por causa de qualquer outra razão misteriosa este menino cheirava tão bem que as abelhas não o largavam. Porém, rodeavam-no com modos pacíficos. Que simpáticas eram as abelhas! Como se fossem animais domésticos, amestrados. As minhas abelhas, dizia o menino.

E sucedia algo ainda mais estranho: as abelhas, em vez de fazerem aquele barulho desagradável que faz tremer os ouvidos, produziam, pelo contrário, uns sons suaves, melodiosos: como sons de piano. E o menino ficava tão embalado com a música suave deixada no ar pelas abelhas que adormecia três vezes por dia; o que era francamente melhor do que adormecer uma.


As abelhas, além de se portarem como uma orquestra privada, ainda deixavam, como presente, algum mel no copo que o menino costumava trazer.


No final de semana, o menino ia vender o mel para o mercado. As abelhas, entretanto, não paravam de andar à volta dele, tocando música e depositando mel no copo, mal este se esvaziava.


Com este negócio o menino ganhou bastante dinheiro. Com o dinheiro ele pensava que conseguia crescer muito mais rápido do que o normal e que apenas em cinco anos ficaria um adulto grande. O certo é que não aconteceu isso. Mesmo com muito dinheiro o menino não cresceu mais rápido, cresceu ao ritmo de todos os outros colegas da escola. Percebeu nessa altura que o dinheiro não dava para tudo, mas mais tarde agradeceu essa lentidão no crescimento.


            O dinheiro não dava para crescer, mas a água sim.

            A seu pedido, o jardineiro continuava a regá-lo todos os dias. Ele crescia ao mesmo ritmo que os outros, mas a água permitia que ele crescesse com um perfume emprestado das flores. E as abelhas continuavam a rodear-lhe a cabeça.

          Durante alguns meses imaginou em adulto vir a ser um príncipe, mas depois cansou-se de imaginar os outros todos a curvarem-se à sua frente, cheios de respeito. Pensou que se viesse a ser príncipe provocaria muitas dores de costas nos seus amigos, que estariam sempre a curvar-se diante dele, e por isso quis, logo ali, antes dos dez anos, mudar de profissão. Não iria ser príncipe.

Decidiu, então, ser maestro, e transformou-se rapidamente (na sua imaginação) no maestro mais famoso do mundo. E era um maestro famoso precisamente porque não precisava de orquestra. Eram as abelhas que faziam todos os sons à volta da sua cabeça. Cada movimento das suas mãos provocava um movimento harmonioso das abelhas, e deste movimento nasciam belos sons.


A verdade é que, mais tarde, em adulto, o menino não foi príncipe nem maestro.


Escolheu uma profissão bem mais modesta: foi jardineiro. Considerava-se mesmo o jardineiro mais feliz do mundo. E tinha razões para isso. Eram muitas já as crianças que iam ao seu jardim, pedir para serem regadas de modo a crescerem saudáveis e cheirosas como ele, o jardineiro que na infância tinha sido um menino com muita imaginação.

                                                                                                                            Gonçalo M. Tavares






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