“O que aconteceu não pode ser desfeito, mas podemos impedir que volte a acontecer.” Anne Frank
Assinala-se hoje, 27 de janeiro, o "Da Internacional em memória das vítimas do Holocausto".
Para que não se pense que foi algo do passado, que não voltará a acontecer, deixamos-vos alguns vídeos alusivos à efeméride.
É importante lembrar, para que a história não se repita e para que não haja mais vitimas dos "holocaustos" do presente.
https://contarholocausto.wixsite.com/contaroholocausto
"Entre 1933 e 1945, seis milhões de homens e mulheres do meu povo foram mortos.
Muitos foram fuzilados. Muitos morreram de fome. Muitos foram incinerados nos
fornos ou asfixiados nas câmaras de gás. Eu escapei.
Nasci em 1944.
Não sei o dia.
Não sei como me chamava ao nascer.
Não sei em que cidade nem em que país nasci.
Não sei se tive irmãos ou irmãs.
O que sei é que, apenas com alguns meses, escapei ao Holocausto.
Imagino muitas vezes como seria a vida dos membros da minha família durante
as últimas semanas que passámos juntos. Imagino o meu pai e a minha mãe,
despojados de todos os seus bens, forçados a abandonar a sua casa, enviados
para o gueto.
Talvez depois tenhamos sido expulsos do gueto. De certeza que os meus pais
tinham pressa de deixar o bairro rodeado de arame farpado para onde tinham sido
relegados, de escapar ao tifo, ao excesso de pessoas, à imundície e à fome. Mas
teriam alguma ideia do local para onde estavam a ser enviados? Ter-lhes-iam
dito que iam para um local mais acolhedor, onde teriam comida e trabalho? Terão
chegado até eles os rumores sobre os campos da morte?
Pergunto-me o que terão sentido quando os conduziram à estação, juntamente
com centenas de outros judeus. Amontoados num vagão de transporte de animais.
De pé, uns contra os outros, por falta de espaço. Terão entrado em pânico
quando ouviram correr os ferrolhos?
De aldeia em aldeia, o comboio deve ter atravessado paisagens campestres
estranhamente poupadas ao terror. Durante quantos dias ficámos naquele comboio?
Quantas horas os meus pais passaram apertados um contra o outro?
Imagino que a minha mãe devia ter-me bem encostada a ela para me proteger
dos maus cheiros, dos gritos, do medo, que reinavam neste vagão lotado. Tinha
de certeza compreendido que não íamos para um lugar seguro.
Pergunto-me onde estaria exatamente. No meio do vagão? O meu pai estaria
junto dela? Ter-lhe-á dito que fosse corajosa? Terão falado do que iam fazer?
Quando teriam tomado aquela decisão? Será que a minha mãe disse “Desculpa.
Desculpa. Desculpa.”? Terá aberto a custo um caminho por entre aquela mole
humana até à janela do vagão? Terá murmurado o meu nome ao embrulhar-me num
cobertor bem quente? Terá coberto a minha cara de beijos e dito que me amava?
Terá chorado? Rezado?
Logo que o comboio abrandou, ao atravessar uma aldeia, a minha mãe deve ter
espreitado pela fresta do vagão. Ajudada pelo meu pai, deve ter afastado o
arame farpado que ocultava a abertura. Deve ter esticado os braços para a luz
pálida do dia. A única coisa que sei com certeza foi o que aconteceu a seguir.
A minha mãe atirou-me pela janela do comboio.
Atirou-me para cima de um pequeno quadrado de relva, junto de uma passagem
de nível. Havia pessoas à espera de que o comboio passasse; viram-me cair do
vagão de carga. No caminho que conduzia à morte, a minha mãe lançou-me à vida.
Alguém pegou em mim e levou-me para casa de uma mulher que se ocupou de
mim. Que arriscou a vida por mim. Calculou a minha idade e atribuiu-me uma data
de nascimento. Decidiu que me chamaria Erika. Deu-me um lar. Alimentou-me,
vestiu-me, mandou me à escola. Fez tudo por mim.
Casei aos vinte e um anos com um homem maravilhoso. Ele aliviou muita da
tristeza que me assaltava com frequência, percebeu o meu desejo de pertencer a
uma família. Tivemos três filhos, que hoje têm os seus filhos também. No rosto
deles, reconheço o meu.
Dizia-se outrora que o meu povo seria um dia tão numeroso como as estrelas
do céu. Entre 1933 e 1945 caíram seis milhões de estrelas do céu. Cada uma
delas corresponde a um membro do meu povo, cuja vida foi rasgada, cuja árvore
genealógica foi arrancada.
A minha árvore lançou raízes.
A minha estrela ainda brilha."
Ruth Vander Zee; Roberto Innocenti
L’étoile d’Erika
Toulouse, Milan Jeunesse, 2003
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